diário da esperança

Quando o estar juntos se torna a melhor opção

A condição de homo vivens nos fez nascidos para a vida e para o viver com os outros. E, sempre nos comprovou que não suportamos a solidão por inteira por muito tempo. Aliás, já antes da pandemia eram perceptíveis as várias situações de sofrimento por causa da solidão, sintoma de um verdadeiro apartheit entre gerações. E, assim, na total dependência dos afetos e da presença, vivemos desta necessidade. O outro completa e preenche o que nos falta e, de igual forma, deixamos um pouco de nós no outro. Vivemos carentes da presença dos outros e de nossas raízes, feridos de ausência no mesmo teto. Por quê?

Esse princípio antropológico, retratado na interdependência humana, embaçado pela ofegância da velocidade com que vivíamos, impedia perceber o outro desta forma. E com os relacionamentos funcionais e superficiais, sequer, paramos para fixar o olhar e a feição com sua linguagem.

No concreto da vida, a residência, até então, mais ou menos concebida como casa de passagem, acolhe nosso frenesi, do chegar tarde e do sair mais cedo. As relações familiares minguaram, fruto da carência e do distanciamento forçado uns dos outros, os filhos cresceram numa bolha, em forma de casulo e de suas relações virtuais, percebendo a itinerância do ambiente viciado de ausências.

As novas gerações mal aprendem caminhar e são deixadas, o dia a todo, na escola maternal ou no berçário e, à noite, os pais recebem-nas banhadas e alimentadas, mas sem o toque das digitais maternas e paternas. De igual modo, os filhos, nas séries iniciais, são submetidos à dupla jornada com aulas escolares pela manhã, línguas, artes marciais, dança ou esporte, à tarde. Filhos, crianças e adolescentes passam o dia com seus pares no mesmo ritmo com ocupação em tempo integral. Filhos jovens, crescidos sem a presença afetiva dos pais buscam fora o afeto que lhes faltou em casa.

Posto isso, como parte da verdade, chegamos ao início da pandemia. E agora?

Esse modus vivendi (este estilo de vida) foi surpreendido por um basta que ecoou silencioso em cada canto do universo, determinando: ou muda ou morre. E, ao custo de lágrimas de sangue, estamos reaprendendo que o estar em casa juntos se tornou a melhor opção. E, aos poucos, passamos a nos identificar no mesmo habitat e sentar juntos, fazer a refeição sem pressa, ocuparmo-nos não só de trabalhos, mas de pessoas. E, cansados das repetidas estatísticas da pandemia, pais e mães reassumiram, seu protagonismo em família, não podendo mais terceirizar a educação interna, passaram a mediar conflitos, conviver mais com as manias dos filhos e netos e dividir as simples tarefas. E, o estar frente a frente, perceberam que estavam longe do que sabiam dos filhos e se conscientizaram de que estavam diante de pequenos tiranos, vivendo como príncipes, até então desconhecidos.

Só que o "modus vivendi" tem sido uma tomada de consciência num reaprender coletivo em casa, resgatando as novas gerações com o amor exigente convencendo-nos de que, quanto mais estamos juntos, mais felizes somos.

Texto: Enio José Rigo
Pároco da Catedral de Santa Maria

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